Certamente você já deve ter ouvido falar sobre aquecimento global, fenômeno caracterizado pelo aumento da temperatura média dos oceanos e da camada de ar próxima à superfície da Terra. A saúde humana, a infraestrutura das comunidades, os sistemas de transporte e suprimentos de água e comida são exemplos de esferas prejudicadas pela sua intensa ação.
Apesar de ser decorrente do efeito estufa que, por sua vez, é um processo natural, a atividade humana tem contribuído constantemente para a acentuação do desequilíbrio do clima global. Desde a Primeira Revolução Industrial, ocorrida entre os séculos XV e meados do século XVIII, percebeu-se um aumento na emissão de gases poluentes na atmosfera, consequência da industrialização dos processos e produtos. O consumo desenfreado desses itens somado à falta de conhecimento sobre gestão de resíduos contribuíram para uma cultura de produção de lixo.
Neste contexto, é importante se perguntar então qual a relação desse superaquecimento com o montante de lixo produzido. A compreensão dessa ligação contribui para o reconhecimento da interferência humana como catalisadora desse processo e, assim, pavimenta o caminho para um futuro mais sustentável, onde não comprometemos a vida de todos os seres da biosfera.
O lixo no Brasil
A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), legislação que estabelece diretrizes para a gestão integrada dos resíduos no país, completou 10 anos em Agosto de 2020. Apesar da existência da lei para coordenar a gestão do lixo, a resolução dos problemas causados pelo gerenciamento incorreto desses materiais parece estar um pouco distante.
Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), em 2018, somente no Brasil foram gerados 79 milhões de toneladas lixo. Se dividirmos esse volume pelo total da população, chegamos a um resultado de 387 quilos de resíduos per capita. Esses números colocam o Brasil em primeiro lugar dentre os maiores produtores de lixo na América Latina.
Essa quantidade enorme de resíduos é resultado da busca por um desenvolvimento econômico acelerado, aumento no consumo de produtos industrializados e o não reaproveitamento após seu consumo, baseado na lógica de extrair-produzir-descartar.
Desse total, de acordo com dados de 2019 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, 24,4% não recebe o destino adequado e é descartado em locais inapropriados. Para piorar a situação, embora passados 10 anos da PNRS, que trazia como meta o fim dos lixões até Agosto de 2014, o país ainda possui 3 mil espalhados por todo o território nacional.
A diferença entre lixo e resíduo
Antes de falarmos sobre como lidar com esse cenário, precisamos entender rapidamente a diferença entre lixo e resíduo.
O lixo, em nossa sociedade, é considerado um material sem qualquer valor e por isso é descartado. O descaso por parte da sociedade acaba levando os resíduos gerados a serem considerados lixo. Como consequência, além do desperdício, ocorrem problemas ambientais, econômicos e até sociais.
Contudo, o termo lixo costuma ser empregado para se referir à resíduos que, por sua vez, são passíveis de reaproveitamento. Segundo a PNRS, resíduo sólido é um "material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade, cuja destinação final se procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados sólido ou semissólido[...]". Diversos resíduos podem - e devem - ser reaproveitados em novos processos produtivos.
Sendo assim,"lixo", na verdade, seria mais próximo de "rejeito": não reaproveitável, seja para reutilização, transformação ou reciclagem, precisando de uma destinação ambientalmente adequada. A Política Nacional dos Resíduos Sólidos define rejeito como "resíduos sólidos que, depois de esgotadas todas as possibilidades de tratamento e recuperação por processos tecnológicos disponíveis e economicamente viáveis, não apresentem outra possibilidade que não a disposição final ambientalmente adequada.”
A relação entre lixo e aquecimento global
É sabido que a falta de uma gestão correta de resíduos sólidos impacta diretamente a sociedade e o meio ambiente. Por exemplo, os resíduos podem bloquear rios e sistemas de drenagem, causando inundações e aprisionamento de água estagnada, agravando assim a propagação de doenças em comunidades. Um estudo da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária Ambiental (ABES) apontou, nos três primeiros meses de 2020, a internação de 40 mil pessoas com doenças relacionadas a falta de saneamento e má gestão do lixo. Esse número representa 4,2% dos leitos do SUS e o custo de mais de R$ 16,1 milhões aos cofres públicos.
Entretanto, os impactos vão para além do esperado, afetando até a regulação do clima global. Essa relação existe pois determinados processos envolvendo resíduos podem emitir Gases do Efeito Estufa (GEE): a decomposição da matéria orgânica libera gás metano, enquanto a queima descontrolada de certos materiais produz dióxido de carbono, óxido nitroso e hexafluoreto de enxofre. São esses os quatro principais gases responsáveis pela instabilidade do efeito estufa.
O Departamento de Economia do Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana (Selurb) fez um estudo sobre a permanência de lixões como local de descarte do lixo no Brasil e a queima irregular de resíduos. A pesquisa indica a má gestão do lixo como responsável por emitir 6 milhões de toneladas de dióxido de carbono na atmosfera, montante é equivalente ao gás gerado anualmente por 3 milhões de carros movidos a gasolina.
O estudo divulgado em 2019, no Dia Mundial do Meio Ambiente, nos mostra resultados expressivos e reafirma a ideia da relação direta entre a produção de lixo e sua contribuição com o agravamento do aquecimento global.
As consequências do aquecimento global
Tem sido cada vez mais comum observar consequências do aquecimento global. Segundo cientistas dos Centros Nacionais de Informação Ambiental da National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA) , Maio de 2020 foi o período mais quente em 141 anos de registros climáticos. A temperatura média global ficou 0,9°C acima da média do século 20 e se igualou à Maio de 2016 que, até então, era registrado como o período de maior aquecimento.
Esse aumento progressivo das temperaturas médias causa inúmeras modificações no ecossistema. Dentre elas podemos destacar alteração do regime das chuvas, aquecimento das águas, tempestades, furacões, inundações, desertificação e epidemia de doenças como a malária, esquistossomose e febre amarela. Para piorar, as consequências dessas alterações não são animadoras.
Em 2019, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão ligado à ONU, divulgou um relatório com previsões futuras sobre a mudança climática. O estudo aponta uma variação de até um metro do nível do mar, no máximo em 2100, caso não façamos nada.
Com o aquecimento da água oceanos se tornarão mais ácidos, alterando a vida marinha. Mesmo limitando o aquecimento a 1,5°C, os recifes de coral já estariam quase todos condenados por conta de alteração de temperatura constante das águas.
Todavia, as consequência não se restringem apenas à vida marinha. Com o aumento do nível do mar, será necessário a retirada de milhões de moradores de áreas costeiras e ilhas, impactando por completo a sociedade.
Como podemos contribuir
No mês Julho foi lançado o estudo Quebrando a Onda de Plásticos. Apesar do estudo ter uma atenção maior voltada para o impacto dos resíduos plásticos nos oceanos, ele nos apresenta a economia circular. Essa ideia estimula as organizações a aumentarem o reaproveitamento dos materiais após o consumo.
Enquanto a economia linear segue o padrão extrair-produzir-descartar, conforme mencionamos anteriormente, esse novo modelo propõe a extensão máxima da vida útil do resíduo. Na transição para este modelo, enxergar o "lixo" como um resíduo reaproveitável é o elemento-chave.
Ainda sim, apesar da importância fundamental do reaproveitamento, é válido relembrar que existe uma ordem estabelecida pela PNRS para a gestão dos resíduos:
- não geração;
- redução;
- reutilização;
- reciclagem;
- tratamento dos resíduos sólidos;
- disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos.
Na prática, isso quer dizer que estratégias para minimizar a geração de resíduos são prioritárias, seguido de práticas para reutilização e reciclagem, afastando-os da possível "transformação em lixo". Por último, tratamento e disposição adequada do que não é possível reaproveitar, evitando o descarte incorreto.
O papel empresarial
Entre soluções empresariais possíveis estão a própria reciclagem, práticas de educação sanitária e ambiental, coleta seletiva e compostagem. Neste contexto é importante mencionar eco-design como ferramenta essencial para a redução da geração de resíduos e impactos do produto. O Ministério do Meio Ambiente define ecodesign como um processo de desenvolvimento de produtos ou serviços visando reduzir o uso de recursos não renováveis e minimizar o impacto ambiental durante seu ciclo de vida.
Também não podemos deixar de pontuar a logística reversa como outra grande aliada na transição para a economia circular. Esse processo logístico envolve a coleta e reaproveitamento de resíduos após seu descarte, garantindo o retorno dos materiais ao ciclo produtivo. Essa atividade é justamente o grande objetivo dessa nova economia.
Vale frisar que o não cumprimento das leis pelas organizações pode gerar punições, incluindo penas passíveis de prisão. Indústrias e outras empresas, incluindo as tratadoras, podem ser autuadas em multas com valores que variam entre R$ 50,00 a R$ 50 milhões.
Responsabilidade compartilhada
Em conjunto das empresas, como definido na Lei, o cidadão também deve colaborar na gestão dos resíduos. Pequenas mudanças nos hábitos contribuem para minimizar os impactos causados pela produção de lixo.
Ações como a devolução de embalagens em Ponto de Entrega Voluntária ( PEV’s), separação de resíduos recicláveis do lixo comum nas residências, priorizaração de produtos com embalagens biodegradáveis, reutilização de recipientes e adoção de ecobags podem contribuir para um futuro mais sustentável.
Segundo o ex-secretário municipal de Meio Ambiente da Serra (Semma), Marcos Machado: “Para minimizar a sua geração, e consequentemente amenizar as mudanças climáticas, é importante a conscientização da população, que pode contribuir, por meio de práticas mais sustentáveis, reduzindo, reutilizando ou reciclando os resíduos gerados.”
Se hábitos como esses forem colocados em prática por grande parcela da sociedade, será perceptível como todos nós podemos cooperar com a diminuição do volume de resíduos e, consequentemente, contribuir para a redução do aquecimento global.
Combatendo as probabilidades
Além da economia circular, o estudo Quebrando a Onda de Plásticos nos apresentou a triste previsão de 600 milhões de toneladas de resíduos plásticos sendo descartados no mar até 2040, se continuarmos no ritmo atual. Na prática, teríamos mais lixo que peixes no mar e as consequências não seriam restritas apenas às águas marinhas, mas toda a vida em sociedade seria impactada conforme já apresentado.
Contrariando a ideia de cenários como esse ainda serem distantes, David Wallace-Wells, jornalista e autor da obra “A Terra Inabitável”, afirma já estarmos vivendo em meio às previsões futuras: “nos últimos 50 anos, por conta do aquecimento global e maior concentração de dióxido de carbono na atmosfera, o teor dos nutrientes das frutas e vegetais que comemos já decaiu em um terço, em breve estaremos comendo ‘junk food’ direto da horta.”
Preocupados com a dimensão do problema, cientistas da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos publicaram um estudo alertando sobre o surgimento do efeito chamado “Terra Estufa” e ressaltam estarmos à beira de um ponto sem retorno. A consciência tardia se tornaria inútil e como consequência alguns pontos da Terra se tornariam inabitáveis para qualquer ser do ecossistema.
O trabalho de mudança deve ser feito em conjunto com a população civil, governos e empresas para garantir um mundo habitável atualmente, bem como para as gerações futuras. Adotar as diretrizes da PRNS é trilhar o caminho correto rumo a um desenvolvimento mais sustentável contribuindo com a manutenção do planeta Terra.
Informar-se é o melhor caminho para compreender a extensão do impacto das nossas escolhas. Então, o que acha de aprofundar seu conhecimento sobre resíduos e as consequências da sua gestão incorreta? Confira nosso texto sobre o estudo Quebrando A Onda De Plástico e entenda os principais pontos deste robusto relatório.
Referências
Planalto do Governo - Política Nacional de Resíduos Sólidos
Abrelpe - O descaminho do lixo
Ambiente Legal - Como o lixo influencia as mudanças climáticas?
ONU - A Onu e a mudança climática
G1 - Entenda os impactos do aquecimento global se a temperatura subir até 1,5°C ou mais de 2°C
Terra - Maio de 2020 empata recorde de mais quente no mundo
Fundação Instituto de Administração - Aquecimento Global: O que é, Causas e Consequências
Câmara dos Deputados - Ecocâmara - Lixo e aquecimento global, qual a relação?
Brazil Journal - “A Terra Inabitável” é um tapa na cara
BBC - O que é o fenômeno 'Terra estufa' e por que estamos caminhando para ele, segundo novo estudo